domingo, 20 de março de 2016

Como conheci o Calvinismo

Eu sempre fui cristão. Isso significa que nasci numa família protestante, mas o termo mais utilizado para ilustrar isso é evangélico, pois os protestantes no Brasil são mais conhecidos como evangélicos.

Lembro-me que meu pai era pastor de uma pequena igreja pentecostal, mas por conta de mudanças doutrinárias, saiu da liderança e procurou uma congregação mais conservadora, acabamos indo para Assembleia de Deus, ministério do Brás.

Aos doze anos, nessa nova congregação, envolvi-me  com o grupo de louvor e comecei a tocar violão nos cultos, foram anos de muita empolgação, mas pouca doutrina, ou melhor, a liderança dessa igreja era fraca, e não ensinava a Escritura de forma sistemática e profunda, e como consequência, nunca tive interesse em ler a Bíblia. 

Minha devoção era uma mistura de entusiasmo por participar do grupo de louvor com esperança de um “mover sobrenatural” que supostamente acontecia nas festas comemorativas. Eu era como um paralítico ao lado do Tanque de Betesda, esperando o anjo descer com minha benção nestes Congressos (João 5:1-9). 

Mas não foi nestes Congressos que  a minha concepção de fé mudou, mas em um culto de domingo.
Foi em um culto de domingo, que o líder dos jovens decidiu apresentar uma peça de teatro. 

Naquela época apresentação de teatro dentro da liturgia não era algo comum. Na minha mente, usar teatro dentro da igreja me incomodava, não soava ser lícito apresentar um espetáculo artístico durante o culto, nessa época eu tinha dezenove ou vinte anos (hoje tenho 31), tinha certeza que aquilo era uma postura nada cristã, mas não sabia como provar isso.

Por conta deste incômodo fui procurar respostas na internet. Foi então que me deparei com um texto sobre teatro, no blog Púlpito Cristão, e o assunto principal do texto era quão problemático é inserir na liturgia peças teatrais.

Depois de alguns dias, voltei neste blog, e percebi que o canal produzia diversos textos de conteúdo apologético, além de noticiar e comentar sobre acontecimentos do meio evangélico. Foi aí que fui tentado a comentar as matérias do blog, sim, comentar na internet é uma enorme tentação, e naquele momento meus comentários tinham como fim o "ter razão", ou seja, eu opinava para minha própria glória.

Não me lembro de como ocorreu, mas este blog me fez ter contato com uma comunidade do Orkut, chamada "Perguntas Cristãs Complicadas", e foi ali que tive meu primeiro contato com o Calvinismo. Nessa comunidade de debates, havia militantes de todas as religiões, mas naquela época, as doutrinas que estavam em evidência eram as cristãs. 

De um lado arminianos do outro lado calvinistas. Aquela época foi o ápice dos debates virtuais, ou como já classifiquei, ali começava a Primeira Onda Calvinista Virtual.

Logo estes debates migraram para os blogs. Os debates eram tão intensos que alguns blogs tinham um ranking para demonstrar quem comentava mais, e mais, debatíamos até por email. 
Como a maioria dos evangélicos, eu era sinergista,  e combatia ao lado dos arminianos. E foram os ataques dos calvinistas que me levaram a estudar teologia.

No começo dos estudos teológicos, li muito a respeito da teologia arminiana, mas também estudava muito o calvinismo, claro, estudava o calvinismo para tentar refutá-lo. 

Mas a tensão dentro de mim entre o calvinismo e o arminianismo começou a aumentar. Além de conhecer alguns calvinistas que ensinavam as doutrinas da graça com maestria, quanto mais estudava o calvinismo, mais assimilava sua doutrina e cosmovisão. Em pouco tempo já concordava com o calvinismo, mas continuava sendo arminiano, pois o orgulho não me deixava assumir a cosmovisão calvinista.

A cada dia era bombardeado mais e mais com o calvinismo, foi então que o orgulho cedeu em relação à verdade, e me assumi calvinista, e logo comecei a militar do lado calvinista. 
A paixão pelo calvinismo foi tão grande, que no ano de 2010 tive a oportunidade de me matricular em um curso superior de teologia, numa Universidade Calvinista.

O curioso é que neste curso, numa sala de 44 alunos, apenas dois eram Calvinista, e lá estava eu, agora do lado calvinista, com a missão de “catequizar” os arminianos.

Anos se passaram, muita coisa mudou na minha vida e na internet, mas continuo na missão, se posso chamar assim, “catequizando” os cristãos (arminianos e afins)  para que possam crer nas doutrinas da graça.

A diferença é que antes eu tentava mudar as pessoas para a minha própria glória, hoje faço isso para a glória de Deus.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Cinco questões sobre Teonomia.


Um dos problemas recorrentes dentro das discussões teológicas é a falácia do espantalho. Este sofisma consiste em ignorar a posição ou explicação teológica do adversário e substituindo tal posição por uma versão distorcida, que representa de forma errada a posição apresentada.

Esta forma de raciocínio capcioso não é apenas comum entre teólogos amadores, pelo contrário, tal prática é muito habitual entre os teólogos e pastores renomados.

Alguns cometem este erro por simples desonestidade, mas outros cometem por falta de estudo, e quando digo falta de estudo, não suponho que estes teólogos amadores e veteranos são péssimos estudiosos, mas admito que eles, além de não usarem fontes primárias relevantes sobre o comentado, ignoram-nas, e acabam usando fontes secundárias problemáticas ou até mesmo distorcidas.
Para lutar contra os espatalhos teológicos feitos sobre o tema Teonomia, formulei cinco respostas simples e diretas, em cima de perguntas feitas em grupos reformados

1 - O que é teonomia?

A palavra Teonomia é composta pelas partículas, "Teo" e"Nomia". “Teo aponta para o termo grego “Theos” que sigfnica literalmente Deus, e a partícula “Nomia” remete ao grego “Nomos” que literalmente significa “Lei”, logo, o termo Teonomia deve ser entendido como “Lei de Deus”.

Ao contrário da Autonomia, que supõe que a moral, política, filosofia, bioética e outras áreas do conhecimento são estabelecidas a partir do indivíduo, a Teonomia coloca Deus no centro e propõe glorifica-lo em todo campo de estudo humana.

A Teonomia é uma visão ética cristã que afirma que a lei de Deus revelada na Escritura, tanto no Novo quanto Antigo Testamento, é o único padrão de autoridade, de verdade e justiça.

A cosmovisão Teonômica apresenta a Bíblia como o único padrão aceitável para julgar o que é correto e o que é errado em relação à realidade criada.

Toda decisão ética em si, assume alguma autoridade ou padrão, e essa será uma lei autônoma ( lei independente de Deus) ou teonômica (Lei de Deus), por este motivo é algo extramente equivocado legislar sem a visão teonômica, ou melhor, ordenar ou preceituar leis a partir da autonomia coloca a opinião e ponto de vista humano no centro, e como a comovisão humana muda segundo o curso deste mundo, toda base autônoma é como uma enorme montanha de relativismo. Este é um dos motivos que implica que, todos cristãos devem adotar a visão Teonômica como padrão, pois, somente a palavra do Senhor (Escritura) tem a suprema e imutável autoridade e padrão para todas as ações e atitudes de todos os homens em todas as áreas da vida.

2 - Como saber quais as leis do AT deve ser considerado para os dias de hoje e quais foram específicas para a uma época ou nação?

Grande parte dos cristãos brasileiros tem dificuldade em compreender como a Lei de Deus deve ser aplicada nos dias de hoje. Uns vão dizer que apenas as Leis confirmadas pelo Novo Testamento estão vigentes, outros vão concluir que somente as Leis Morais continuam válidas, e infelizmente os dois grupos erram.
Para facilitar o entendimento da Lei de Deus é preciso classificar os preceitos registrados no Antigo Testamento, a melhor classificação é:

1 - A Lei Civil ou Judicial- Representa a legislação dada por Deus a Moisés com a finalidade de regular a sociedade, estabelecendo obediência externa, ordem e punição aos malfeitores.
Ex. Punição do Estupro (Dt 22:25), Blasfêmia contra Deus (Lv 24:14), Pena de morte para prática de homossexualismo ( Lv. 20:13)

2 - A Lei Religiosa ou Cerimonial - Tinha a finalidade de impressionar aos homens a santidade de Deus e concentrar suas atenções no Messias prometido, ou seja, essas leis apontavam para Cristo.
Ex: Sacerdócio Levítico (Nm 18.1-7), Santuário/tabernáculo terrestre (Ex 25.1-9), Sacrifícios de animais (Ex 20.24).

3 - A Lei Moral - Representa a vontade de Deus para com o homem, no que diz respeito ao seu comportamento e seus deveres principais.
Ex: Não terás outros deuses diante de mim (Ex. 20.3), Amarás o teu próximo como a ti mesmo (Lv 19.17-18). Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração (Dt 6.5).

Até a obra de Cristo ser consumada na cruz, estes três tipos de leis norteavam o povo de Deus de forma direta, mas na cruz, Cristo resignificou a Lei Cerimonial, que na Antiga Aliança apontava para o Messias.

A Lei cerimonial continha diversos ritos, costumes e cerimônias que eram somente sombras e tipos que apontavam para uma situação temporária em Israel, mas que com a vinda de Cristo, se cumpriram. A única razão pela qual estes mandamentos antigos eram aceitáveis a Deus era a prometida redenção em Jesus Cristo (Heb. 10.1).

Com a morte e ressurreição de Cristo o significado das Leis cerimoniais não foi anulado, mas não estamos mais sob a obrigação destas leis, pois os ritos, costumes e cerimônias se cumpriram em Cristo. A essência do rito continua conosco, mas foi abolida sua observância externa (Col. 2.10-17 - Heb 8.3-6,10.1).

Logo, as leis de devem serem observados na Nova Aliança são: Leis Morais e Leis Civis. Essas leis têm como função convencer todos os homens de serem culpados do pecado (Rm 3.20; 5.20), ensinar aqueles que são justificados pela fé em Cristo sobre o que seguir e o que evitar e também como devem cultuar a Deus (Sl 19.7-8; 119.105) e reprimir os desordeiros e refrear os ímpios, além de trazer de forma clara quais são as punições eficazes para o mal feitor (1 Tm 1.9-10).

3 - Quais seriam as maneiras de implantar a teonomia nos dias de hoje?

Antes de responder essa questão, é necessário pontuar que a cultura evangélica brasileira é extremamente pessimista, ou seja, o pensamento cristão brasileiro é norteado pela ideia de que Jesus está às portas, ou melhor, o arrebatamento é iminente, logo, um cristão genuíno não deve tentar melhorar este mundo, como se um cristão ativista fosse uma espécie de infiel, que não observa a Lei de Deus e tenta mudar uma realidade que está fadada ao fracasso.

Realmente, alguns posicionamentos escatológicos pregam que este mundo está caminhando para a perdição, mesmo nessa condição, influenciar a política, cultura e o judiciário, não é algo irrelevante. Quem deseja viver em um país miserável? Mesmo sabendo que o mundo pode ruir a qualquer momento, dificilmente alguém responderá essa questão com um enorme “SIM, EU DESEJO VIVER EM UM PAÍS MISERÁVEL”.

A igreja de hoje limita o Evangelho a poucas proposições, e não transmite uma mensagem de Boas Novas abrangente, ou que alcance todas as áreas de nossa vida. Pregar um evangelho que deixa de influenciar a família, a igreja, a cultura, a política, o judiciário e as nações é um Evangelho deficiente. Além do mais, as esferas citadas não existem independentemente dos indivíduos, toda instituição é influenciada pelo indivíduo, e estes indivíduos ou trazem influencias a partir da verdade (Escritura) ou a partir de si mesmo (Autonomia), logo, todos são responsáveis e devem influenciar.

A doutrina bíblica ensina que o homem foi criado com um propósito na terra e na história: dominar a terra (Gn 1.26-28). Teólogos chamam isso de Mandado de Domínio ou Mandato Cultural. O homem deve trazer a ordem de Deus para cada canto da criação e construir cada aspecto de sua cultura ou sociedade conforme os requerimentos de Deus.

Partindo deste pressuposto, a Teonomia deve ser implantada a partir da influencia dos cristãos no dia-dia, desde a pregação do Evangelho, quanto à conscientização intelectual e política. O cristão deve se filiar a rádios comunitárias, ONGs, bases políticas comunitárias, política, sindicatos, organizações governamentais e toda instituição secular ou não que possa ser influenciada para que a mudança da realidade ocorra, assim, a mensagem bíblica Teonômica deve nortear essa influencia cristã.
Como o Apostolo Paulo nos ensinou:

“Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança. Ora, o Deus de paciência e consolação vos conceda o mesmo sentimento uns para com os outros, segundo Cristo Jesus. Para que concordes, a uma boca, glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto recebei-vos uns aos outros, como também Cristo nos recebeu para glória de Deus. Digo, pois, que Jesus Cristo foi ministro da circuncisão, por causa da verdade de Deus, para que confirmasse as promessas feitas aos pais; e para que os gentios glorifiquem a Deus pela sua misericórdia, como está escrito: Portanto eu te louvarei entre os gentios, E cantarei ao teu nome. E outra vez diz: Alegrai-vos, gentios, com o seu povo. E outra vez: Louvai ao Senhor, todos os gentios, E celebrai-o todos os povos. Outra vez diz Isaías: Uma raiz em Jessé haverá, E naquele que se levantar para reger os gentios, os gentios esperarão”. (Romanos 15:4-12)

A menos que a Igreja comece influenciar o mundo, em todas as esferas, continuará a fracassar; e não haverá “discipulado” que possa salvá-la.

4 - Por que Jesus não condenou ao apedrejamento a mulher adúltera?

Jesus estava ciente daquilo que foi prescrito na Lei de Deus em relação ao adultério e em nenhum momento agiu contra aquilo que foi ensinado no Antigo Testamento, pois Cristo, de maneira nenhuma transgrediu a Lei, pelo contrário, Cristo cumpriu-a por completo (Rom. 5: 17-19).

Sabemos que em nenhum momento Cristo aboliu a lei registrada no Antigo Testamento (Mat. 5: 17-18), mas quais foram os motivos que levaram Cristo a não apedrejar a mulher adultera (Jo. -8:1-11)?

O primeiro problema no cenário da mulher adultera é que a Lei prescreve que, no caso de adultério, a pena de morte deveria ser aplicada ao casal adultero (Deut.22:22), não apenas a mulher, e os fariseus trouxeram apenas a mulher para ser apedrejada. Isso constitui um erro grave para aplicabilidade da Lei de Deus.
Além deste grave problema, na apresentação dos transgressores da lei, a Lei de Deus prescreve que é preciso existir idoneidade das testemunhas, o transgressor da Lei não pode ser acusado apenas por uma pessoa (Deut.19:15), também cabia as testemunhas arremessar as primeiras pedras (Deut. 17:7). Quando Jesus afirma: “Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra na adultera”, ele ordena as testemunhas jogarem as pedras, contudo, as testemunhas não atiram as pedras, isso confirma que as testemunhas não se encaixavam no que a Lei classificava como boas testemunhas, ou seja, não eram pessoas idôneas, eram falsas testemunhas e falso testemunho implica em pena capital (Deut. 19:19).

Outro problema ocorre na aplicabilidade da pena capital. Sabemos que apenas os magistrados podem aplicar a Lei (Romanos 13:1-7), logo, nem Cristo, nem os fariseus eram autoridade magistrada para aplicar a pena capital à mulher adultera, mesmo que todas as obrigações da Lei fossem cumpridas, apenas o governo Romano poderia aplicar a pena capital.


5 - A teonomia tenta impor uma moralidade e uma ética cristã mesmo em pessoas ímpias?

É complicado afirmar que a Teonomia impõe a moralidade, mesmo sabendo que toda Lei é composta de moralidade, mas podemos dizer que, através da influência bíblica, a Teonomia tenta influenciar o Estado, a cultura, a política e outras áreas da sociedade com a verdade.

No cenário atual, temos aquilo que podemos chamar de Humanismo, e do outro lado a Teonomia. O Humanismo coloca o homem no centro, e legisla a partir do próprio homem, isso faz com que as leis sejam norteadas pelo coração corrompido humano, criando assim leis com meias verdades, e até leis totalmente ímpias.

Já a Teonomia, tem como base uma verdade absoluta, a Escritura, e visa influenciar toda realidade com essa verdade inerrante.

A questão em si é, vamos ser norteados com leis relativas que mudam diariamente, ou a partir da imutabilidade da Lei de Deus? 

Essa resposta irá definir nosso pressuposto.
As leis Teonômicas não obrigam o ímpio a segui-las, mas traz a perfeita vontade de Deus para o equilíbrio da nação, como o texto bíblico diz: Bem-aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor (Sl. 33:12).


Inclusive, um dos propósitos da Lei é refrear os ímpios (1 Tm 1.9-10), mesmo que isso não leve à regeneração, é uma prescrição necessária para a ordem social. E sabemos que, os indivíduos que temem a Lei são os homens maus, pois a Lei e as autoridades que a aplicam, corrige os maus (Romanos 13:3).



Bibliografia:

http://www.barrabaslivre.com/2013/02/calvino-e-lei.html

https://resistireconstruir.wordpress.com/2012/09/16/a-sombra-de-cristo-na-lei-de-moises/

https://resistireconstruir.wordpress.com/2014/04/20/a-diferenca-entre-as-leis-morais-e-as-leis-civis/

https://resistireconstruir.wordpress.com/2014/04/20/o-pecado-e-os-tres-aspectos-da-lei/
https://resistireconstruir.wordpress.com/2012/10/12/ensinando-todo-o-conselho-de-deus/

http://www.monergismo.com/textos/politica/origem-desenvolvimento-governo--civil_demar.pdf

http://www.monergismo.com/textos/lei_evangelho/teonomia-mulher-adultera-pena_bahnsen.pdf

http://olharreformado.blogspot.com.br/2013/07/teonomia-conversao-e-coersao.html

terça-feira, 1 de março de 2016

O saudosismo pentecostal¹ militante.





Em nenhuma outra época no Brasil houve tanta militância como hoje. Mas o formato da militância contemporânea é totalmente diferente da tradicional. Os ativistas de hoje não costumam fazer algo prático, pelo contrário, lutam por tudo e por todos, sentados em suas cadeiras confortáveis, ou conectados através de seus celulares. Essa é a geração do ciberativismo, cujo o mesmo implica numa mobilização e politização virtual. Este tipo de luta é fruto de uma espécie de nova democracia e acessibilidade que o mundo virtual proporciona.

Hoje, qualquer pessoa com acesso à internet pode opinar, criticar, criar, protestar e produzir conteúdo, mesmo que este conteúdo não seja algo de qualidade.

Ser um ativista virtual se tornou cultural, e como a cultura costuma influenciar diretamente a religião, temos hoje, no cenário religioso brasileiro, ativistas confessionais.

Um dos nichos confessionais que vem se destacando neste combate virtual são os pentecostais. Os carismáticos que antes tinham aversão ao estudo ou debate intelectual, hoje, além de produzir material teológico, mergulham fundo no debate e ativismo nas redes sociais.

Uma das características dessa produção intelectual pentecostal é o saudosismo, ou seja, nos debates, artigos e textos pentecostais, ocorre um apelo ao passado, como se em tempos anteriores, o movimento pentecostal fosse inerrante ou em certo sentido, menos problemático.

Ao apresentar críticas, equívocos e problemas no movimento pentecostal, os militantes costumam responder da seguinte forma: “Mas no pentecostalismo clássico não era assim”, como se as palavras “pentecostalismo clássico” fossem mágicas e apagassem todos os problemas deste movimento avivalista moderno.

Mas o que é o pentecostalismo clássico?

Pentecostalismo clássico é a forma com que o teólogo José Bittencourt Filho classificou o avivamento pentecostal no Brasil. Este autor chama de pentecostalismo clássico as igrejas originadas de forma direta do movimento pentecostal Norte-Americano (Assembleia de Deus, Congregação Cristã, Igreja de Deus e Igreja Pentecostal; estas duas últimas são igrejas minúsculas, com poucos ou nenhum registro bibliográfico). E classifica como Pentecostalismo Autônomo as igrejas que seriam dissidentes das clássicas e/ou formadas em torno de lideranças fortes (Igrejas Casa da Bênção, Deus é Amor, Evangelho Quadrangular, Maranata, Nova Vida, Brasil para Cristo, Universal do Reino de Deus).
No Brasil, a primeira igreja fundada e classificada como parte do pentecostalismo clássico é a Congregação Cristã do Brasil (CCB). O fundador dessa igreja é o missionário Luigi Francescon, seguidor de Durham[2].

Francescon era antigo membro da Igreja Presbiteriana Italiana de Chicago, que após ter contado com o pentecostalismo Norte Americano, foi guiado, por meio de revelações divinas, até a Argentina e logo após para o Brasil, iniciando nos Estados de São Paulo e Paraná a Congregação Cristã no Brasil.

A Congregação Cristã do Brasil é marcada por ser exclusivista, ou seja, para os fiéis dessa congregação, somente a sua organização religiosa pertence a Deus e as demais não. Este tipo de ensinamento gera o proselitismo. Pois como os membros da CCB consideram outros cristãos como perdidos, costumam ir até estes “perdidos” e pregar as doutrinas da CCB, para que haja uma real conversão.
Por considerar os outros cristãos, inclusive os protestantes como ímpios, na CCB todo novo membro deve receber um novo batismo, mesmo que já tenha sido batizado e professado a fé em outra denominação.

Uma das características do pentecostalismo clássico é o desprezo ao estudo. Os pentecostais clássicos acreditam que o Espírito Santo, de forma sobrenatural interfere na razão do fiel, dando a ele o conhecimento necessário para o ensino, e este pensamento reflete-se na CCB. Diferente da cosmovisão bíblica (João 5:39), para os líderes da CCB o estudo da Escritura é algo carnal e proibido, logo o membro deve se abster de tal prática.

Outro enorme problema na CCB é o legalismo (uma característica comum dentro do pentecostalismo clássico), além de obrigar as mulheres usarem véu dentro do templo, existe toda uma cartilha de usos e costumes, ou seja, o membro que não se vestir como a liderança prescreve, é considerado como não salvo. Além disso, a ênfase na salvação por obras nessa denominação é algo latente. Os líderes da CCB acreditam que devemos praticar boas obras para sermos salvos, diferente do que a Escritura ensina: somos salvos, e por este motivo praticamos boas obras (Lucas 6:43-44).

A segunda igreja relevante do Pentecostalismo Clássico é a Assembleia de Deus (AD). Esta denominação foi fundada no Brasil por Daniel Berg e Gunnar Vingren, dois suecos, que também, através de relações divinas, deixaram a frígida Nova Iorque, no dia 05 de novembro de 1910, a bordo do navio Clement, com destino à cálida Belém do Pará, com a intenção de praticar missões no Brasil.
Ao chegar à cidade de Belém, Estado do Pará, foram alojados no porão de uma Igreja Batista, cujo pastor também era de origem sueca. Passado alguns meses, após terem aprendido a língua portuguesa, os suecos provocaram uma cisão naquela Igreja e, com 19 membros que participaram daquela cisão, fundaram a Missão Fé Apostólica, cujo nome após 1914 foi alterado, para Assembleia de Deus.

A ênfase assembleiana era primordial no batismo com o Espírito Santo (glossolalia[3]), a cura, testemunho pessoal e a santidade das pessoas.

O culto na AD gira em torno do seu “mito” fundante, a saber, o evento bíblico descrito em Atos 2. A liturgia gera uma ligação direta com o tempo das origens, o evento de Pentecostes. Ocorre um rompimento com a racionalização ensinada pelas igrejas tradicionais e isto soa como uma aversão ao que Paulo ensina (Romanos 12:1), o culto racional, já que a experiência emocional é na maioria das vezes colocada em destaque. 

A busca pelo sentir algo de Deus é notável, e o fiel que não sente este mover místico é sempre classificado como frio ou incrédulo.
Outro ponto para considerar é o batismo com Espírito Santo. Fiéis da AD que não tiveram essa experiência mística, são diretamente tratados com preconceito. Até mesmo cargos eclesiásticos não podem ser atribuídos aos fiéis sem o Batismo com o Espírito Santo. Até os dias de hoje, esta lei é respeitada na maioria das denominações da AD.

A experiência pessoal é tão valorizada dentro do arraial da AD, que um dos pontos principais da pregação é o testemunho. No início da AD, toda preleção era moldada em cima do testemunho pessoal.
Os fieis da AD costumavam sempre começar uma pregação com o jargão: “No dia em que me converti”. Em si a prática do testemunho não é errada, mas usar experiência pessoal como uma espécie de doutrina é problemático, pois a experiência em si não é inspirada por Deus e pode trazer lições pragmáticas não bíblicas.
Mais uma marca dos erros do pentecostalismo clássico dentro da AD é a ênfase na cura. Até mesmo cessacionistas moderados não duvidam que Deus possa curar, mas dentro da AD, Ele parece ser obrigado a curar, ou melhor, se a cura não ocorre isso pode ser um problema com o fiel, que não teve fé suficiente para mover Deus. Este sinergismo era pregado no pentecostalismo clássico. Em si, essa doutrina deu origem a teologia da prosperidade. Neste contexto, o jejum era usado como barganha para que ocorra cura e para receber bênçãos.

Uma barganha comum dentro da AD se da em nome das ofertas. Diferente da tradição ortodoxa, a AD acredita que as ofertas podem mover Deus, e tornar o fiel prospero e atrair benção. Na Escritura, a oferta nunca foi considerada uma moeda de troca, pois Deus não precisa de nosso sacrifício.
Outra marca do culto da AD, desde os primórdios, é o apelo, doutrina elaborada pelo teólogo Charles Finney[4]. Esta prática consiste em levar o indivíduo a ter uma confissão de fé instantânea. No final dos cultos pentecostais, ocorre uma espécie de clímax psicológico e dentro deste clima, os estranhos são convidados a decidirem-se por Cristo. O apelo emotivo é extremamente problemático, pois grande parte dos estranhos são constrangidos a dizer sim para a mensagem do evangelho, ao invés de serem convertidos através da conscientização bíblica.

Quando o tema é cosmovisão, dentro do movimento pentecostal temos outro problema. A cosmovisão dos primeiros líderes e fiéis da AD sempre foi filtrada através de uma espécie de maniqueísmo[5], ou seja, entende-se que existe uma luta entre o bem (Deus) e o mal (O Diabo) e tudo que é secular é atribuído ao diabo, mas tudo que é considerado pela liderança como bíblico, é sagrado. Este filtro superficial e legalista, norteou a AD desde sua origem até os dias de hoje. Este maniqueísmo gera uma cartilha de usos e costumes. Na sua origem, AD sempre pregou como algo inerrante a doutrina de usos e costumes.  Os líderes pentecostais determinavam como os fiéis deveriam se vestir, os locais que deveriam frequentar, qual lazer era lícito praticar, quais posicionamentos políticos deveriam ter e até mesmo os utensílios eletrônicos que poderiam ter em casa. No começo a AD proibia o uso de aparelhos de TV. O purismo moral e legalista da AD afasta-a das manifestações culturais do povo; e dentro deste arraial ocorre uma espécie de perseguição às falhas dos fieis, isso acaba criando uma legitimação coletiva, tornando o legalismo como uma verdade.
Todo este cenário se acentuou com a autonomia da AD em relação aos suecos (os fundadores). No ano de 1930, a Missão Sueca, que regia a AD nacionalizou a obra. A primeira Convenção Geral da AD, em Natal de 1930, assistida por 11 missionários suecos e 23 líderes brasileiros entregou todos os templos e salões de reuniões da AD aos líderes brasileiros.

Ao entregar a liderança aos brasileiros, os pastores que estavam inseridos dentro de uma cultura rural autoritária, criaram uma espécie de Episcopalismo Vitalício, que passava de pai para filho. Os pastores líderes eram como caciques ou coronéis e aquilo que ditavam era lei, mesmo que contrariasse a Escritura, mas para não soar como algo extra bíblico, as ordenanças mais exóticas já eram justificadas por textos fora do contexto, pratica que reflete até hoje dentro das ADs.

Os teólogos pentecostais militantes deveriam pensar em tudo que foi exposto acima, antes de afirmar que o pentecostalismo clássico era algo genuinamente bom e bíblico.  Ignorar os erros do passado, nos leva a cometer os mesmos erros.

O movimento pentecostal clássico teve sua relevância na história do cristianismo, mas este movimento nunca colocou a Escritura em primeiro lugar. Até os dias de hoje, a tradição pentecostal, opinião do pastor e a experiência têm mais valor que a palavra de Deus. Enquanto a Escritura não for colocada como premissa dentro do pentecostalismo, ele continuará fadado ao fracasso.



Bibliografia

ALENCAR, Gedeon. Assembleia de Deus: origem, implantação e militância (1911-1946). São Paulo: Arte editorial, 2010.
CAMPOS, Leonildo Silveira e GUTIÉRREZ, Benjamin F; (orgs.). Na força do Espírito: os pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo: Pendão Real, 1996.
FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo Brasileiro in Nem Anjos, Nem Demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo, Petrópolis, Antoniazzi, Alberto et alli. Vozes, 1994.
FRESTON, Paul. Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte a Impeachment, São Paulo: UNICAMP, 1993.
MARIANO, R. Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando. 1995. Dissertação (Mestrado em Sociologia)– Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.
PASSOS, João Décio. Pentecostais: origens e começo. São Paulo, Paulinas, 2005. 






[1] O pentecostalismo é um movimento de renovação de dentro do cristianismo que coloca ênfase especial em uma experiência direta e pessoal de Deus através do Batismo no Espírito Santo.
[2] William H. Durham foi fundador da igreja Missão da Avenida Norte (North Avenue Mission - 1907) nos EUA, um expoente do movimento pentecostal Norte Americano.
[3] Os pentecostais afirmam que o falar em línguas é o sinal visível que alguém que fora batizado com o Espírito Santo, ou seja, o fiel é envolvido por uma força mística enviada por Deus, e assim fala novas línguas, nem sempre inteligíveis.
[4] Charles Grandison Finney foi um pregador, professor, teólogo, abolicionista e avivalista estadunidense, um dos líderes do Segundo Grande Despertar
[5] Maniqueísmo é um dualismo religioso sincretista que se originou na Pérsia e foi amplamente difundido no Império Romano (sIII d.C. e IV d.C.), cuja doutrina consistia basicamente em afirmar a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz (o Bem) e o das sombras (o Mal), em localizar a matéria e a carne no reino das sombras, e em afirmar que ao homem se impunha o dever de ajudar à vitória do Bem por meio de práticas ascéticas, esp. evitando a procriação e os alimentos de origem animal.