terça-feira, 1 de março de 2016

O saudosismo pentecostal¹ militante.





Em nenhuma outra época no Brasil houve tanta militância como hoje. Mas o formato da militância contemporânea é totalmente diferente da tradicional. Os ativistas de hoje não costumam fazer algo prático, pelo contrário, lutam por tudo e por todos, sentados em suas cadeiras confortáveis, ou conectados através de seus celulares. Essa é a geração do ciberativismo, cujo o mesmo implica numa mobilização e politização virtual. Este tipo de luta é fruto de uma espécie de nova democracia e acessibilidade que o mundo virtual proporciona.

Hoje, qualquer pessoa com acesso à internet pode opinar, criticar, criar, protestar e produzir conteúdo, mesmo que este conteúdo não seja algo de qualidade.

Ser um ativista virtual se tornou cultural, e como a cultura costuma influenciar diretamente a religião, temos hoje, no cenário religioso brasileiro, ativistas confessionais.

Um dos nichos confessionais que vem se destacando neste combate virtual são os pentecostais. Os carismáticos que antes tinham aversão ao estudo ou debate intelectual, hoje, além de produzir material teológico, mergulham fundo no debate e ativismo nas redes sociais.

Uma das características dessa produção intelectual pentecostal é o saudosismo, ou seja, nos debates, artigos e textos pentecostais, ocorre um apelo ao passado, como se em tempos anteriores, o movimento pentecostal fosse inerrante ou em certo sentido, menos problemático.

Ao apresentar críticas, equívocos e problemas no movimento pentecostal, os militantes costumam responder da seguinte forma: “Mas no pentecostalismo clássico não era assim”, como se as palavras “pentecostalismo clássico” fossem mágicas e apagassem todos os problemas deste movimento avivalista moderno.

Mas o que é o pentecostalismo clássico?

Pentecostalismo clássico é a forma com que o teólogo José Bittencourt Filho classificou o avivamento pentecostal no Brasil. Este autor chama de pentecostalismo clássico as igrejas originadas de forma direta do movimento pentecostal Norte-Americano (Assembleia de Deus, Congregação Cristã, Igreja de Deus e Igreja Pentecostal; estas duas últimas são igrejas minúsculas, com poucos ou nenhum registro bibliográfico). E classifica como Pentecostalismo Autônomo as igrejas que seriam dissidentes das clássicas e/ou formadas em torno de lideranças fortes (Igrejas Casa da Bênção, Deus é Amor, Evangelho Quadrangular, Maranata, Nova Vida, Brasil para Cristo, Universal do Reino de Deus).
No Brasil, a primeira igreja fundada e classificada como parte do pentecostalismo clássico é a Congregação Cristã do Brasil (CCB). O fundador dessa igreja é o missionário Luigi Francescon, seguidor de Durham[2].

Francescon era antigo membro da Igreja Presbiteriana Italiana de Chicago, que após ter contado com o pentecostalismo Norte Americano, foi guiado, por meio de revelações divinas, até a Argentina e logo após para o Brasil, iniciando nos Estados de São Paulo e Paraná a Congregação Cristã no Brasil.

A Congregação Cristã do Brasil é marcada por ser exclusivista, ou seja, para os fiéis dessa congregação, somente a sua organização religiosa pertence a Deus e as demais não. Este tipo de ensinamento gera o proselitismo. Pois como os membros da CCB consideram outros cristãos como perdidos, costumam ir até estes “perdidos” e pregar as doutrinas da CCB, para que haja uma real conversão.
Por considerar os outros cristãos, inclusive os protestantes como ímpios, na CCB todo novo membro deve receber um novo batismo, mesmo que já tenha sido batizado e professado a fé em outra denominação.

Uma das características do pentecostalismo clássico é o desprezo ao estudo. Os pentecostais clássicos acreditam que o Espírito Santo, de forma sobrenatural interfere na razão do fiel, dando a ele o conhecimento necessário para o ensino, e este pensamento reflete-se na CCB. Diferente da cosmovisão bíblica (João 5:39), para os líderes da CCB o estudo da Escritura é algo carnal e proibido, logo o membro deve se abster de tal prática.

Outro enorme problema na CCB é o legalismo (uma característica comum dentro do pentecostalismo clássico), além de obrigar as mulheres usarem véu dentro do templo, existe toda uma cartilha de usos e costumes, ou seja, o membro que não se vestir como a liderança prescreve, é considerado como não salvo. Além disso, a ênfase na salvação por obras nessa denominação é algo latente. Os líderes da CCB acreditam que devemos praticar boas obras para sermos salvos, diferente do que a Escritura ensina: somos salvos, e por este motivo praticamos boas obras (Lucas 6:43-44).

A segunda igreja relevante do Pentecostalismo Clássico é a Assembleia de Deus (AD). Esta denominação foi fundada no Brasil por Daniel Berg e Gunnar Vingren, dois suecos, que também, através de relações divinas, deixaram a frígida Nova Iorque, no dia 05 de novembro de 1910, a bordo do navio Clement, com destino à cálida Belém do Pará, com a intenção de praticar missões no Brasil.
Ao chegar à cidade de Belém, Estado do Pará, foram alojados no porão de uma Igreja Batista, cujo pastor também era de origem sueca. Passado alguns meses, após terem aprendido a língua portuguesa, os suecos provocaram uma cisão naquela Igreja e, com 19 membros que participaram daquela cisão, fundaram a Missão Fé Apostólica, cujo nome após 1914 foi alterado, para Assembleia de Deus.

A ênfase assembleiana era primordial no batismo com o Espírito Santo (glossolalia[3]), a cura, testemunho pessoal e a santidade das pessoas.

O culto na AD gira em torno do seu “mito” fundante, a saber, o evento bíblico descrito em Atos 2. A liturgia gera uma ligação direta com o tempo das origens, o evento de Pentecostes. Ocorre um rompimento com a racionalização ensinada pelas igrejas tradicionais e isto soa como uma aversão ao que Paulo ensina (Romanos 12:1), o culto racional, já que a experiência emocional é na maioria das vezes colocada em destaque. 

A busca pelo sentir algo de Deus é notável, e o fiel que não sente este mover místico é sempre classificado como frio ou incrédulo.
Outro ponto para considerar é o batismo com Espírito Santo. Fiéis da AD que não tiveram essa experiência mística, são diretamente tratados com preconceito. Até mesmo cargos eclesiásticos não podem ser atribuídos aos fiéis sem o Batismo com o Espírito Santo. Até os dias de hoje, esta lei é respeitada na maioria das denominações da AD.

A experiência pessoal é tão valorizada dentro do arraial da AD, que um dos pontos principais da pregação é o testemunho. No início da AD, toda preleção era moldada em cima do testemunho pessoal.
Os fieis da AD costumavam sempre começar uma pregação com o jargão: “No dia em que me converti”. Em si a prática do testemunho não é errada, mas usar experiência pessoal como uma espécie de doutrina é problemático, pois a experiência em si não é inspirada por Deus e pode trazer lições pragmáticas não bíblicas.
Mais uma marca dos erros do pentecostalismo clássico dentro da AD é a ênfase na cura. Até mesmo cessacionistas moderados não duvidam que Deus possa curar, mas dentro da AD, Ele parece ser obrigado a curar, ou melhor, se a cura não ocorre isso pode ser um problema com o fiel, que não teve fé suficiente para mover Deus. Este sinergismo era pregado no pentecostalismo clássico. Em si, essa doutrina deu origem a teologia da prosperidade. Neste contexto, o jejum era usado como barganha para que ocorra cura e para receber bênçãos.

Uma barganha comum dentro da AD se da em nome das ofertas. Diferente da tradição ortodoxa, a AD acredita que as ofertas podem mover Deus, e tornar o fiel prospero e atrair benção. Na Escritura, a oferta nunca foi considerada uma moeda de troca, pois Deus não precisa de nosso sacrifício.
Outra marca do culto da AD, desde os primórdios, é o apelo, doutrina elaborada pelo teólogo Charles Finney[4]. Esta prática consiste em levar o indivíduo a ter uma confissão de fé instantânea. No final dos cultos pentecostais, ocorre uma espécie de clímax psicológico e dentro deste clima, os estranhos são convidados a decidirem-se por Cristo. O apelo emotivo é extremamente problemático, pois grande parte dos estranhos são constrangidos a dizer sim para a mensagem do evangelho, ao invés de serem convertidos através da conscientização bíblica.

Quando o tema é cosmovisão, dentro do movimento pentecostal temos outro problema. A cosmovisão dos primeiros líderes e fiéis da AD sempre foi filtrada através de uma espécie de maniqueísmo[5], ou seja, entende-se que existe uma luta entre o bem (Deus) e o mal (O Diabo) e tudo que é secular é atribuído ao diabo, mas tudo que é considerado pela liderança como bíblico, é sagrado. Este filtro superficial e legalista, norteou a AD desde sua origem até os dias de hoje. Este maniqueísmo gera uma cartilha de usos e costumes. Na sua origem, AD sempre pregou como algo inerrante a doutrina de usos e costumes.  Os líderes pentecostais determinavam como os fiéis deveriam se vestir, os locais que deveriam frequentar, qual lazer era lícito praticar, quais posicionamentos políticos deveriam ter e até mesmo os utensílios eletrônicos que poderiam ter em casa. No começo a AD proibia o uso de aparelhos de TV. O purismo moral e legalista da AD afasta-a das manifestações culturais do povo; e dentro deste arraial ocorre uma espécie de perseguição às falhas dos fieis, isso acaba criando uma legitimação coletiva, tornando o legalismo como uma verdade.
Todo este cenário se acentuou com a autonomia da AD em relação aos suecos (os fundadores). No ano de 1930, a Missão Sueca, que regia a AD nacionalizou a obra. A primeira Convenção Geral da AD, em Natal de 1930, assistida por 11 missionários suecos e 23 líderes brasileiros entregou todos os templos e salões de reuniões da AD aos líderes brasileiros.

Ao entregar a liderança aos brasileiros, os pastores que estavam inseridos dentro de uma cultura rural autoritária, criaram uma espécie de Episcopalismo Vitalício, que passava de pai para filho. Os pastores líderes eram como caciques ou coronéis e aquilo que ditavam era lei, mesmo que contrariasse a Escritura, mas para não soar como algo extra bíblico, as ordenanças mais exóticas já eram justificadas por textos fora do contexto, pratica que reflete até hoje dentro das ADs.

Os teólogos pentecostais militantes deveriam pensar em tudo que foi exposto acima, antes de afirmar que o pentecostalismo clássico era algo genuinamente bom e bíblico.  Ignorar os erros do passado, nos leva a cometer os mesmos erros.

O movimento pentecostal clássico teve sua relevância na história do cristianismo, mas este movimento nunca colocou a Escritura em primeiro lugar. Até os dias de hoje, a tradição pentecostal, opinião do pastor e a experiência têm mais valor que a palavra de Deus. Enquanto a Escritura não for colocada como premissa dentro do pentecostalismo, ele continuará fadado ao fracasso.



Bibliografia

ALENCAR, Gedeon. Assembleia de Deus: origem, implantação e militância (1911-1946). São Paulo: Arte editorial, 2010.
CAMPOS, Leonildo Silveira e GUTIÉRREZ, Benjamin F; (orgs.). Na força do Espírito: os pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo: Pendão Real, 1996.
FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo Brasileiro in Nem Anjos, Nem Demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo, Petrópolis, Antoniazzi, Alberto et alli. Vozes, 1994.
FRESTON, Paul. Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte a Impeachment, São Paulo: UNICAMP, 1993.
MARIANO, R. Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando. 1995. Dissertação (Mestrado em Sociologia)– Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.
PASSOS, João Décio. Pentecostais: origens e começo. São Paulo, Paulinas, 2005. 






[1] O pentecostalismo é um movimento de renovação de dentro do cristianismo que coloca ênfase especial em uma experiência direta e pessoal de Deus através do Batismo no Espírito Santo.
[2] William H. Durham foi fundador da igreja Missão da Avenida Norte (North Avenue Mission - 1907) nos EUA, um expoente do movimento pentecostal Norte Americano.
[3] Os pentecostais afirmam que o falar em línguas é o sinal visível que alguém que fora batizado com o Espírito Santo, ou seja, o fiel é envolvido por uma força mística enviada por Deus, e assim fala novas línguas, nem sempre inteligíveis.
[4] Charles Grandison Finney foi um pregador, professor, teólogo, abolicionista e avivalista estadunidense, um dos líderes do Segundo Grande Despertar
[5] Maniqueísmo é um dualismo religioso sincretista que se originou na Pérsia e foi amplamente difundido no Império Romano (sIII d.C. e IV d.C.), cuja doutrina consistia basicamente em afirmar a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz (o Bem) e o das sombras (o Mal), em localizar a matéria e a carne no reino das sombras, e em afirmar que ao homem se impunha o dever de ajudar à vitória do Bem por meio de práticas ascéticas, esp. evitando a procriação e os alimentos de origem animal.

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