Em nenhuma
outra época no Brasil houve tanta militância como hoje. Mas o formato da
militância contemporânea é totalmente diferente da tradicional. Os ativistas de
hoje não costumam fazer algo prático, pelo contrário, lutam por tudo e por todos,
sentados em suas cadeiras confortáveis, ou conectados através de seus
celulares. Essa é a geração do ciberativismo, cujo o mesmo implica numa
mobilização e politização virtual. Este tipo de luta é fruto de uma espécie de
nova democracia e acessibilidade que o mundo virtual proporciona.
Hoje, qualquer
pessoa com acesso à internet pode opinar, criticar, criar, protestar e produzir
conteúdo, mesmo que este conteúdo não seja algo de qualidade.
Ser um ativista
virtual se tornou cultural, e como a cultura costuma influenciar diretamente a
religião, temos hoje, no cenário religioso brasileiro, ativistas confessionais.
Um dos nichos
confessionais que vem se destacando neste combate virtual são os pentecostais.
Os carismáticos que antes tinham aversão ao estudo ou debate intelectual, hoje,
além de produzir material teológico, mergulham fundo no debate e ativismo nas
redes sociais.
Uma das
características dessa produção intelectual pentecostal é o saudosismo, ou seja,
nos debates, artigos e textos pentecostais, ocorre um apelo ao passado, como se
em tempos anteriores, o movimento pentecostal fosse inerrante ou em certo
sentido, menos problemático.
Ao apresentar
críticas, equívocos e problemas no movimento pentecostal, os militantes costumam
responder da seguinte forma: “Mas no pentecostalismo clássico não era assim”,
como se as palavras “pentecostalismo clássico” fossem mágicas e apagassem todos
os problemas deste movimento avivalista moderno.
Mas o que é o pentecostalismo clássico?
Pentecostalismo
clássico é a forma com que o teólogo José Bittencourt Filho classificou o
avivamento pentecostal no Brasil. Este autor chama de pentecostalismo clássico
as igrejas originadas de forma direta do movimento pentecostal Norte-Americano (Assembleia
de Deus, Congregação Cristã, Igreja de Deus e Igreja Pentecostal; estas duas
últimas são igrejas minúsculas, com poucos ou nenhum registro bibliográfico). E
classifica como Pentecostalismo Autônomo as igrejas que seriam dissidentes das
clássicas e/ou formadas em torno de lideranças fortes (Igrejas Casa da Bênção,
Deus é Amor, Evangelho Quadrangular, Maranata, Nova Vida, Brasil para Cristo, Universal
do Reino de Deus).
No Brasil, a
primeira igreja fundada e classificada como parte do pentecostalismo clássico é
a Congregação Cristã do Brasil (CCB). O fundador dessa igreja é o missionário Luigi
Francescon, seguidor de Durham[2].
Francescon era
antigo membro da Igreja Presbiteriana Italiana de Chicago, que após ter contado
com o pentecostalismo Norte Americano, foi guiado, por meio de revelações
divinas, até a Argentina e logo após para o Brasil, iniciando nos Estados de
São Paulo e Paraná a Congregação Cristã no Brasil.
A Congregação
Cristã do Brasil é marcada por ser exclusivista, ou seja, para os fiéis dessa
congregação, somente a sua organização religiosa pertence a Deus e as demais
não. Este tipo de ensinamento gera o proselitismo. Pois como os membros da CCB
consideram outros cristãos como perdidos, costumam ir até estes “perdidos” e
pregar as doutrinas da CCB, para que haja uma real conversão.
Por considerar
os outros cristãos, inclusive os protestantes como ímpios, na CCB todo novo
membro deve receber um novo batismo, mesmo que já tenha sido batizado e
professado a fé em outra denominação.
Uma das
características do pentecostalismo clássico é o desprezo ao estudo. Os
pentecostais clássicos acreditam que o Espírito Santo, de forma sobrenatural
interfere na razão do fiel, dando a ele o conhecimento necessário para o
ensino, e este pensamento reflete-se na CCB. Diferente da cosmovisão bíblica (João
5:39), para os líderes da CCB o estudo da Escritura é algo carnal e proibido,
logo o membro deve se abster de tal prática.
Outro enorme
problema na CCB é o legalismo (uma característica comum dentro do
pentecostalismo clássico), além de obrigar as mulheres usarem véu dentro do
templo, existe toda uma cartilha de usos e costumes, ou seja, o membro que não
se vestir como a liderança prescreve, é considerado como não salvo. Além disso,
a ênfase na salvação por obras nessa denominação é algo latente. Os líderes da
CCB acreditam que devemos praticar boas obras para sermos salvos, diferente do
que a Escritura ensina: somos salvos, e por este motivo praticamos boas obras (Lucas
6:43-44).
A segunda
igreja relevante do Pentecostalismo Clássico é a Assembleia de Deus (AD). Esta
denominação foi fundada no Brasil por Daniel Berg e Gunnar Vingren, dois
suecos, que também, através de relações divinas, deixaram a frígida Nova Iorque,
no dia 05 de novembro de 1910, a bordo do navio Clement, com destino à cálida
Belém do Pará, com a intenção de praticar missões no Brasil.
Ao chegar à
cidade de Belém, Estado do Pará, foram alojados no porão de uma Igreja Batista,
cujo pastor também era de origem sueca. Passado alguns meses, após terem
aprendido a língua portuguesa, os suecos provocaram uma cisão naquela Igreja e,
com 19 membros que participaram daquela cisão, fundaram a Missão Fé Apostólica,
cujo nome após 1914 foi alterado, para Assembleia de Deus.
A ênfase
assembleiana era primordial no batismo com o Espírito Santo (glossolalia[3]),
a cura, testemunho pessoal e a santidade das pessoas.
O culto na AD
gira em torno do seu “mito” fundante, a saber, o evento bíblico descrito em
Atos 2. A liturgia gera uma ligação direta com o tempo das origens, o evento de
Pentecostes. Ocorre um rompimento com a racionalização ensinada pelas igrejas
tradicionais e isto soa como uma aversão ao que Paulo ensina (Romanos 12:1), o
culto racional, já que a experiência emocional é na maioria das vezes colocada
em destaque.
A busca pelo
sentir algo de Deus é notável, e o fiel que não sente este mover místico é
sempre classificado como frio ou incrédulo.
Outro ponto
para considerar é o batismo com Espírito Santo. Fiéis da AD que não tiveram
essa experiência mística, são diretamente tratados com preconceito. Até mesmo
cargos eclesiásticos não podem ser atribuídos aos fiéis sem o Batismo com o
Espírito Santo. Até os dias de hoje, esta lei é respeitada na maioria das
denominações da AD.
A experiência
pessoal é tão valorizada dentro do arraial da AD, que um dos pontos principais
da pregação é o testemunho. No início da AD, toda preleção era moldada em cima
do testemunho pessoal.
Os fieis da AD
costumavam sempre começar uma pregação com o jargão: “No dia em que me converti”.
Em si a prática do testemunho não é errada, mas usar experiência pessoal como
uma espécie de doutrina é problemático, pois a experiência em si não é
inspirada por Deus e pode trazer lições pragmáticas não bíblicas.
Mais uma marca
dos erros do pentecostalismo clássico dentro da AD é a ênfase na cura. Até
mesmo cessacionistas moderados não duvidam que Deus possa curar, mas dentro da
AD, Ele parece ser obrigado a curar, ou melhor, se a cura não ocorre isso pode
ser um problema com o fiel, que não teve fé suficiente para mover Deus. Este
sinergismo era pregado no pentecostalismo clássico. Em si, essa doutrina deu
origem a teologia da prosperidade. Neste contexto, o jejum era usado como
barganha para que ocorra cura e para receber bênçãos.
Uma barganha
comum dentro da AD se da em nome das ofertas. Diferente da tradição ortodoxa, a
AD acredita que as ofertas podem mover Deus, e tornar o fiel prospero e atrair
benção. Na Escritura, a oferta nunca foi considerada uma moeda de troca, pois Deus não precisa de nosso
sacrifício.
Outra marca do
culto da AD, desde os primórdios, é o apelo, doutrina elaborada pelo teólogo Charles
Finney[4].
Esta prática consiste em levar o indivíduo a ter uma confissão de fé
instantânea. No final dos cultos pentecostais, ocorre uma espécie de clímax
psicológico e dentro deste clima, os estranhos são convidados a decidirem-se
por Cristo. O apelo emotivo é extremamente problemático, pois grande parte dos
estranhos são constrangidos a dizer sim para a mensagem do evangelho, ao invés
de serem convertidos através da conscientização bíblica.
Quando o tema é
cosmovisão, dentro do movimento pentecostal temos outro problema. A cosmovisão
dos primeiros líderes e fiéis da AD sempre foi filtrada através de uma espécie
de maniqueísmo[5],
ou seja, entende-se que existe uma luta entre o bem (Deus) e o mal (O Diabo) e
tudo que é secular é atribuído ao diabo, mas tudo que é considerado pela
liderança como bíblico, é sagrado. Este filtro superficial e legalista, norteou
a AD desde sua origem até os dias de hoje. Este maniqueísmo gera uma cartilha
de usos e costumes. Na sua origem, AD sempre pregou como algo inerrante a
doutrina de usos e costumes. Os líderes pentecostais
determinavam como os fiéis deveriam se vestir, os locais que deveriam
frequentar, qual lazer era lícito praticar, quais posicionamentos políticos
deveriam ter e até mesmo os utensílios eletrônicos que poderiam ter em casa. No
começo a AD proibia o uso de aparelhos de TV. O purismo moral e legalista da AD
afasta-a das manifestações culturais do povo; e dentro deste arraial ocorre uma
espécie de perseguição às falhas dos fieis, isso acaba criando uma legitimação
coletiva, tornando o legalismo como uma verdade.
Todo este
cenário se acentuou com a autonomia da AD em relação aos suecos (os
fundadores). No ano de 1930, a Missão Sueca, que regia a AD nacionalizou a
obra. A primeira Convenção Geral da AD, em Natal de 1930, assistida por 11
missionários suecos e 23 líderes brasileiros entregou todos os templos e salões
de reuniões da AD aos líderes brasileiros.
Ao entregar a
liderança aos brasileiros, os pastores que estavam inseridos dentro de uma
cultura rural autoritária, criaram uma espécie de Episcopalismo Vitalício, que
passava de pai para filho. Os pastores líderes eram como caciques ou coronéis e
aquilo que ditavam era lei, mesmo que contrariasse a Escritura, mas para não
soar como algo extra bíblico, as ordenanças mais exóticas já eram justificadas
por textos fora do contexto, pratica que reflete até hoje dentro das ADs.
Os teólogos pentecostais
militantes deveriam pensar em tudo que foi exposto acima, antes de afirmar que
o pentecostalismo clássico era algo genuinamente bom e bíblico. Ignorar os erros do passado, nos leva a
cometer os mesmos erros.
O movimento
pentecostal clássico teve sua relevância na história do cristianismo, mas este
movimento nunca colocou a Escritura em primeiro lugar. Até os dias de hoje, a
tradição pentecostal, opinião do pastor e a experiência têm mais valor que a
palavra de Deus. Enquanto a Escritura não for colocada como premissa dentro do
pentecostalismo, ele continuará fadado ao fracasso.
Bibliografia
ALENCAR,
Gedeon. Assembleia de Deus: origem, implantação e militância (1911-1946). São
Paulo: Arte editorial, 2010.
CAMPOS,
Leonildo Silveira e GUTIÉRREZ, Benjamin F; (orgs.). Na força do Espírito: os
pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo:
Pendão Real, 1996.
FRESTON,
Paul. Breve História do Pentecostalismo Brasileiro in Nem Anjos, Nem Demônios:
interpretações sociológicas do pentecostalismo, Petrópolis, Antoniazzi, Alberto
et alli. Vozes, 1994.
FRESTON,
Paul. Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte a Impeachment, São
Paulo: UNICAMP, 1993.
MARIANO,
R. Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando. 1995. Dissertação
(Mestrado em Sociologia)– Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.
PASSOS,
João Décio. Pentecostais: origens e começo. São Paulo, Paulinas, 2005.
[1] O
pentecostalismo é um movimento de renovação de dentro do cristianismo que
coloca ênfase especial em uma experiência direta e pessoal de Deus através do
Batismo no Espírito Santo.
[2] William
H. Durham foi fundador da igreja Missão da Avenida Norte (North Avenue Mission
- 1907) nos EUA, um expoente do movimento pentecostal Norte Americano.
[3] Os
pentecostais afirmam que o falar em línguas é o sinal visível que alguém que
fora batizado com o Espírito Santo, ou seja, o fiel é envolvido por uma força
mística enviada por Deus, e assim fala novas línguas, nem sempre inteligíveis.
[4] Charles
Grandison Finney foi um pregador, professor, teólogo, abolicionista e
avivalista estadunidense, um dos líderes do Segundo
Grande Despertar
[5] Maniqueísmo
é um dualismo religioso sincretista que se originou na Pérsia e foi amplamente
difundido no Império Romano (sIII d.C. e IV d.C.), cuja doutrina consistia
basicamente em afirmar a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz
(o Bem) e o das sombras (o Mal), em localizar a matéria e a carne no reino das
sombras, e em afirmar que ao homem se impunha o dever de ajudar à vitória do
Bem por meio de práticas ascéticas, esp. evitando a procriação e os alimentos
de origem animal.
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